terça-feira, 17 de setembro de 2013

Opinião: amanhã, o Brasil muda !

Comecei a escrever este ar­tigo e parei. Minhas mãos tremiam de medo diante da gravidade do assunto. Parei. Tomei um calman­te e recomecei. Não pos­so me exacerbar em in­vectivas, em queixumes ou denúncias vazias. Tenho de manter a ca­beçafria (se possível) para analisar os efeitos do resultado do julgamento do mensalão, que virá amanhã. "Tomorrow, and tomor­row, and tomorrow" (...) "o amanhã se infiltra dia a dia até o final dos tempos" escreveu Shakespeare em "Macbeth" (ato 5 cena 5); pois o nosso amanhã pode nos jogar de volta ao passado, provando a nós cidadãos que "a vida é um conto narrado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada" Ou que "a nossa vida será uma piada" na tradução livre de Delubio Soares. No Brasil nunca há "hoje"; só ontem e ama­nhã.

Amanhã será amanhã ou será ontem. De­pois de tanto tempo para se (des)organizar uma república democrática, o ministro Celso de Mello tem nas mãos o poder de decretar nosso futuro. Esta dependência do voto fatal de um homem só já é um despautério jurídico, um absurdo político. O "sagrado" regimento interno do STF está cuidadosamente elabora­do por décadas de patrimonialismo para invi­abilizar condenações. Eu me lembro do início do julgamento. Tudo parecia um atemorizante sacrilégio, como se todos estivessem cometen­do o pecado de ousar cumprir a lei julgando poderosos. 

Vi o "frisson" nervoso nos ministros-juízes que, depois de sete anos de lenti­dão, tiveram de correr para cumprir os prazos impostos pelas chicanas e retardos que a gan­gue de mensaleiros e petistas conseguiu criar Suprema ironia: no país da justiça lenta, os mi­nistros do Supremo foram obrigados a "andar logo" "mandar brasa" falar rápido, pois o Peluso tinha de votar, antes de sair em setembro. E só houve julgamento porque o ministro Ayres Britto se empenhou pessoalmente em viabilizar prazos e datas. Se não, não haveria nada. Dois ministros impecáveis e com saúde foram aposentados com 70 anos. Poderiam ao menos terminar o julgamento; mas o "regimento" impe­diu. Sumiram de um dia para o outro, para gáudio dos réus. E foram nomeados em seu lugar Teori e Barroso, naturalmente ávidos para não se subme­ter ao ritmo de nosso Joaquim Barbosa e valorizar sua chegada ao tribunal. 

Até compreendo a vai­dade, mas entraram para questionar o próprio julgamento, como Barroso declarou. Amanhã, Celso de Mello estará nos julgando a todos; julgará o país e o próprio Supremo. Du­rante o processo, qualificou duramente o crime como "o mais vergonhoso da História do país, pois um grupo de delinquentes degradou a ati­vidade política em ações criminosas" E agora? Será que ele ficará fiel a sua opinião inicial? Ele fez um risonho suspense: "Será que evoluí?" — como se tudo fosse mais um doce embate ju­rídico. Não é. Se ele votar pelos embargos infringentes, estará acabando com o poder do STF, pois nem nos tri­bunais inferiores como o STJ há esses embargos. Nosso único foro seguro era (é?) o Supremo Tribunal. Precisamos de uma suprema instân­cia, algum lugar que possa coibir a cascata suja de recursos que estimulam a impunidade e o ci­nismo. 

Já imaginaram a euforia dos criminosos condenados e as portas todas abertas para os que roubam e roubarão em todos os tempos? Vai ser uma festa da uva. A democracia e a repú­blica serão palavras risíveis. O ministro Celso de Mello provavelmente não lerá este artigo, pois se recolhe num retiro pro­posital para consultar sua "consciência indivi­dual". Mas, afinal de contas, o que é essa "consciên­cia individual" apartada de todos os outros ho­mens vivos no país? O novato Barroso, considerado um homem "de talento robusto e sério" como tantas perso­nagens de Eça de Queiroz, já lançou a ideia e fa­lou de sua "consciência individual" com orgu­lho e delícia: "Faço o que acho certo. Indepen­dentemente da repercussão. 

Não sou um juiz pautado sobre o que vai dizer o jornal no dia se­guinte" Mas, quem o pauta? A coruja de Miner­va, o corvo de Poe, ou os urubus que sobrevoam nossa carniça nacional? Ele não é pautado por nada? A população que o envolve, não o como­ve? Ele nasceu por partenogênese, geração es­pontânea, já de capa preta e sapatos ou foi for­mado como todos nós pelo olhar alheio, pelos limites da vida social, pelas ideologias e pelos hábitos que nos cercam? Que silêncio "fe­cundo" é esse que descobre essências do Ser na solidão? Ele é o quê? O Heidegger do "re­gimento"? Essa ideia "barrosiana" de integri­dade não passa de falta de humildade, de narcisismo esperando iluminação divina. E Celso de Mello aponta nessa mesma dire­ção. Será? Será que ele terá a crueldade (esta é a palavra) de ignorar a vontade explícita da po­pulação pela violenta anulação de nove anos de suspense, por uma questiúncula em rela­ção ao "regimento"? Por que não uma interpretação "sistemática" da lei, em vez da estrita análise literal? Transformará a "justiça supre­ma em suprema injúria" sobre todos nós? Os acontecimentos benéficos ao país sem­pre voltam atrás, depois de uma breve eufo­ria. Assim foi o milagroso surgimento da opi­nião pública nas ruas, logo reprimida não pe­la polícia, mas pelos punks fascistas encapuzados que amedrontaram todos, para alegria do Executivo e Legislativo. Todos os escânda­los inumeráveis voltam ao nada. Um amigo me chama de pessimista; respondo que o pessimista é um otimista bem informado. 

A verdade é que, desde o início, o desejo de ministros como o Lewandowski e o Toffoli era retardar o julgamento. Eu gelei quando vi a cara impassível do Lewandowski analisan­do o processo por seis meses e o Toffoli não se impedindo de votar, apesar de suas liga­ções anteriores com Dirceu. Depois, os dois novatos chegaram para proferir sentenças contra o processo de que não participaram. Em tudo isso há sim um forte desejo de fer­rar o Joaquim Barbosa, por inveja da fama que conquistou. E afirmo (com arrogância de profeta) que amanhã o Celso de Mello, com sua impecá­vel "consciência individual" vai votar "sim" pelos embargos. Será a vitória para os bolcheviques e cor­ruptos lobistas. O.k., Dirceu, você venceu.

Por Arnaldo Jabor

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