Doce lar. Escritora de livros infantis, Flávia Beck defende o ensino domiciliar dos filhos Rafael, de 6 anos, e Gabriela, de 10: "Achamos que as escolas aqui são fracas", diz ela
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A rotina de estudos começa cedo para os irmãos Rafael, de 6 anos, e Gabriela, de 10. A dupla mal acorda e já está em aula, às 8h, aprendendo lições de disciplinas como Português, História e Geografia. Na parte da tarde, Gabriela se concentra em aulas de música, enquanto o caçula prefere praticar seu traço com desenhos. A rotina descrita poderia se passar numa escola, mas acontece no apartamento em Jacarepaguá onde moram as crianças, que estão sendo educadas pelos pais, Flávia e Tom Beck. Rafael e Gabriela não estão matriculadas num colégio.
- Achamos que essa forma de ensino é mais eficaz que uma escola, e trabalhamos a autoestima deles. Que colégios oferecem um psicólogo apenas para isso? - argumenta o pai, Tom, filósofo e professor de português e inglês.
Eles não estão sozinhos, mas são uma minoria. De acordo com a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), há 800 famílias no país declaradamente adeptas de uma forma de ensino não regulamentada no Brasil. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é dever dos pais ou responsáveis matricular na escola os filhos com idades entre 4 e 17 anos. Em alguns países, porém, a prática é reconhecida. Nos EUA, por exemplo, estima-se em 2 milhões o número de famílias adeptas do homeschooling .
Em 12 de junho último, entusiastas da educação caseira foram a uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde tramita o Projeto de Lei 3179/12, que propõe a inclusão da educação familiar na LDB. Mas a ideia está distante de atrair um consenso.
Enquanto especialistas em educação se dividem sobre o tema, o próprio Ministério da Educação se posiciona contra. "A proposta de ensino domiciliar não apresenta amparo legal, ferindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a LDB e a própria Constituição Federal. O entendimento do parecer é de que a família não deve privar seus filhos do convívio escolar, sendo que cabe obrigatoriamente ao Estado o dever de assegurar a educação escolar das crianças e adolescentes", alegou o MEC em nota ao GLOBO.
- Quem pratica o homeschoolling afirma que uma das razões para educar os filhos em casa é a baixa qualidade do ensino no Brasil. Mas se a qualidade é baixa, devemos melhorar a escola, e não abandoná-la. Além disso, a criança não cria espírito coletivo. Desenvolve-se um individualismo exacerbado - critica o professor Carlos Alberto Cury, da Faculdade de Educação da PUC-MG.
Pelo texto do projeto de lei, só seria possível regulamentar a prática se observadas "articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas normas locais".
Para aulas do ensino básico, a família Beck diz que segue o modelo curricular do MEC e compra material escolar recomendado no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Como se ambos cursassem o ensino fundamental, Rafael lê obras referentes à 1º série, enquanto que Gabriela estuda em material pedagógico do 5º ano.
Flávia sabe que vai precisar de auxílio quando os filhos chegarem ao currículo do ensino médio. Professores particulares são uma opção, mas o casal espera contar também com o intercâmbio existente entre pais adeptos da mesma prática. Se numa casa, a mãe é formada em Ciências Humanas e pode dar aulas de História, por exemplo, e, em outro, o pai tem diploma na área de Ciências Exatas, essas duas famílias ensinam conjuntamente seus filhos.
- Queremos que eles façam faculdade, que tenham uma carreira. Apenas achamos que as escolas aqui são fracas - comenta Flávia, que é escritora de livros infantis. - Quando chegar a hora, vamos orientar nossos filhos a se inscrever no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Assim, eles poderão obter o certificado de conclusão do Ensino Médio.
O artigo 246 do Código Penal define como abandono intelectual "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar". Mas, de acordo com o advogado Alexandre Magno, diretor jurídico da Aned, quem educa seus filhos em casa não está, "de maneira alguma", cometendo uma infração.
- O que está na lei é deixar de instruir o filho na idade obrigatória, mas não cita a escola. Não há risco de ser punido criminalmente. O Código Penal não se refere à escola, mas, sim, à instrução - interpreta Magno. EM
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