domingo, 22 de dezembro de 2013

Ciro Gomes diz que perdeu o prazer de conversar com Lula

Aliado da presidente Dilma Rousseff e cotado para assumir o Ministério da Saúde - o atual titular da pasta, Alexandre Padilha, deixará o cargo em janeiro para concorrer ao governo de São Paulo –, o secretário de Saúde do Estado do Ceará, Ciro Gomes, se mantém fiel ao que ele mesmo classifica como jeito franco de ser. Em rápida passagem por Belém, fez um panorama bastante crítico da economia e das medidas tomadas pelos governos desde Fernando Henrique Cardoso. Ciro foi o palestrante do evento que marcou o lançamento do Anuário do Pará 2013-2014, promovido pelo DIÁRIO. Foi um dos primeiros a chegar ao local do evento e, apesar de bem humorado, manteve o estilo sem papas na língua que se tornou uma de suas características.

Nesta entrevista exclusiva ao DIÁRIO, falou de economia, mas também disse que está ficando “chato” conversar com o amigo e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Ele não ouve, só fala”, disparou. Ao ouvir o nome do tucano José Serra, a quem classifica de “figura nefasta”, deu três batidinhas na mesa, um gesto para espantar o azar. E, mesmo se negando a falar como ministro da saúde, afirmou que o principal mal da área é a falta de gestão.

P: O país discute bastante o baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Como o senhor avalia esse momento da nossa economia?

R: A economia brasileira não vai bem. Não tem nada trágico, nenhuma explosão à vista assim de curto prazo, mas não vai bem e não vai bem há muito tempo. Há 30 anos o Brasil não cresce mais que dois, dois e meio por cento como regra. Há momentos excepcionais em que você encontra quando houve rupturas com a inflação, e no mais você tem ciclos como recentemente o de Lula e Dilma, que foi impulsionado por três movimentos que se exauriram. Pimeiro, o galope do salário mínimo de U$ 176 quando o Lula tomou posse, e passou a valer mais de U$ 300. O segundo foi a ampliação do crédito proporcional ao PIB. O Brasil tinha a menor proporção de crédito em relação ao PIB do mundo capitalista há muitos anos, e com Lula isso saltou de 13% do PIB para 50%. E o terceiro foi a consolidação e a expansão inéditas da rede de proteção social puxada pela Bolsa Família. Isso também transferiu renda pelo território brasileiro e dinamizou a economia. Mas esses três movimentos, que foram brilhantes, se exauriram. Eles três tinham a lógica de puxar o crescimento pelo consumo. Agora, nós voltamos ao desafio de sempre, e que nunca conseguimos equacionar politicamente, que é entender que o verdadeiro desenvolvimento é aquele sustentado no tempo, que pode mudar estruturamente um País e é puxado pela formação bruta de capital, pelo investimento e não pelo consumo.


P: Falando em consumo, uma das alternativas do governo para tentar segurar empregos e a produção industrial foi a redução de tributos, o que fez com que Estados e municípios ficassem de pires na mão...

R: Isso é um grande equívoco e revela o desequilíbrio político do País. Atende a um pequeno lobby, um pequeno grupo de pressão que reúne os oligopólios sediados em São Paulo, ligados aos grandes sindicatos que também se sediam em São Paulo e são a base social de Lula, o que eu já chamei no passado, quando fui Ministro da Fazenda, de coalizão inflacionária, que traduz todo esse tipo de coisa. Neste momento em que falo com você, o Brasil consolida uma renúncia fiscal de R$ 80 bilhões, e quando você vai analisar, não houve nenhum ânimo econômico por causa disso nos setores que foram estimulados. Agora quando se olha a plataforma de reverso de lucros e dividendos para estrangeiro, a gente vê claramente a montanha de dinheiro que foi convertido de subsídio aos oligopólios para remessa de lucros para o estrangeiro. Com esses R$ 80 bilhões, se bem distribuídos, seria possível construir duas refinarias de petróleo, concluir todas as mega obras de infraestrutura que há no Norte e Nordeste, como a Cuiabá-Santarém.

P: E para os estados e municípios a conta está chegando agora?

R: Isso nem se fala, porque o fundo de participação é constituído por esses elementos de renúncia fiscal. E para os estados ricos, o fundo de participação não importa, é irrelevante como proporção de receita, mas para os estados e municípios mais pobres é grave desfalque.


P: Como esse cenário econômico pode influenciar as eleições de 2014?

R: O povo brasileiro percebe que a presidente Dilma é uma pessoa decente, bem intencionada e que está se esforçando para fazer as coisas direito. Isso dá a ela um respeito, uma preferência da população. A população quer avançar, e não vai aceitar qualquer tipo de proposta ou antagonismo político que represente, sequer remotamente, uma ameaça a essas conquistas. Isso faz dela favorita.

P: Onde Dilma não conseguiu acertar?

R: É evidente que o papel da presidente da República é insubstituível, mas falta ao Brasil uma formulação estratégica, uma formulação teórica, um projeto de País. A gente tem fragmentos disso acontecendo. Por exemplo, o Brasil retoma a indústria naval por um processo de compra governamental e substituição de importação. Portanto são ferramentas que estão sendo usadas atualmente pelo governo, mas episodicamente. Isso não é uma política de governo e quando você olha, só no complexo industrial da saúde o Brasil está importando R$ 15 bilhões de compras governamentais, 76% de patentes vencidas. Por que não colocar um instituto de engenharia reversa em Santarém? Produzir uma indústria, um complexo industrial na área da saúde? A Petrobras está vendendo petróleo barato produzido no Brasil e comprando derivado de petróleo caro e vendendo a preço político subfaturado no Brasil.

P: A Copa trará algum benefício real para população?

R: Ela colocará dois bilhões de cidadãos do mundo em um lugar chamado Brasil, com uma variedade de paisagens extraordinária. Se a gente fizer alguma coisa na sequência disso, podemos, finalmente romper essa coisa de cinco a seis milhões de turistas [ao ano] que vêm para esse país extraordinário, onde a conta de turismo tem um déficit. Os brasileirosgastam muito mais dinheiro fora do que os estrangeiros do mundo inteiro gastam neste país maravilhoso. Além disso, a Copa permitiu que o País vivenciasse esse projeto. O povo viu que quando tem um foco, os obstáculos institucionais são removidos, o dinheiro aparece, os prazos são cumpridos e as coisas são no padrão FIFA. O que precisamos é fazer isso com a saúde, com a segurança e com a educação, com a infraestrutura do País...

P: O senhor tem conversado bastante com o ex-presidente Lula sobre sucessão...

R: [Interrompendo] Não, ultimamente não. Perdi o prazer em conversar com Lula.

P: Por quê?

R: Ficou meio sem graça, a conversa. Ele está muito diferente do que ele já foi.

P: Em que sentido?

R: Pouco atencioso com as realidades, muito endeusado. Nós tínhamos grandes conversas. Somos amigos desde 1988. Tivemos e temos uma relação de fraterna amizade durante esses anos todos, e tive muita alegria em trabalhar com ele. O Lula é uma figura muito interessante, mas hoje me parece que perdeu a modéstia, a humildade. Sei lá o que houve com ele. Ficou uma pessoa, uma amizade desagradáveis. Ele não ouve mais. Ele só fala...

P: Surpreende que um aliado a dois passos de assumir um ministério tenha uma visão tão crítica...

R: Não estou a dois passos de assumir o ministério. E a minha visão crítica é uma inerência da minha franqueza. Não estou dizendo aqui que não gosto do Lula e que não seja amigo dele. Gosto e sou amigo dele.

P: Ele tem feito um esforço pessoal para trazê-lo para a base e colocá-lo no ministério.

R: Eu jamais saí da base [de apoio à presidente Dilma]. Pelo contrário, eu fiz um movimento importante, difícil, desgastante, que foi romper com o PSB, o meu partido e fundar o PROS para ajudar o País a não ter retrocesso.

P: O senhor assume o Ministério da Saúde em janeiro?

R: Nesse momento, a minha obrigação é servir aos cearenses como secretário de saúde. É com isso que estou ocupado nesse momento.

P: Mas o Senhor já foi sondado, convidado?

R: Não.

P: Se convidado, aceitará?

R: A isso não se responde. Hoje tenho um foco. Minha missão é servir ao Ceará.

P: De qualquer maneira, a saúde é uma área muito sensível. Como o senhor avalia a saúde pública atual?

R: Na percepção popular esse é o principal problema do País. Eu digo a você que está faltando tudo, mas hierarquicamente, falta gestão. O Sistema Único de Saúde é muito generoso. O Brasil é o único País do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que botou na constituição, anunciou como um direito de todas as pessoas, o acesso à saúde pública, gratuita em qualquer nível de complexidade e incondicional. Pode a classe média, pobre ou rico, mas isso nunca saiu do papel. Hoje você tem uma distorção tremenda, escandalosa, que é instrução do Judiciário determinando até internação de pessoas em UTI, determinando a entrega de remédios importados, sem registro na Anvisa. É completamente caótico... Só os ricos têm acesso à justiça, o povão está sendo tratado como bicho, na rede básica que não funciona. Faltam remédios básicos para diabetes, hipertensão que não são entregues.

P: José Serra, que é um economista, fez no Mistério da Saúde um trabalho que até hoje as pessoas consideram como relevante...

R: O Serra é uma figura tenebrosa [dando três batidinhas na mesa], mas ele é um bom administrador e o que ele fez foi isso. Não mudou estrategicamente nada, não aperfeiçoou em nada o SUS, mas fez mutirões de cirurgias. Fez a quebra da patente – e talvez isso sim seja simbólico - do coquetel da AIDS. O que o Brasil poderia fazer: uma política industrial baseada em substituição de exportações em compras governamentais. Isso sim seria uma mudança estratégica na saúde.

P: A doença principal do sistema de saúde então é falta de gestão?

R: Para começar. No limite, você não vai resolver o problema só com gestão, mas não há muito como legitimar reclamação por mais dinheiro se você está vendo dinheiro escorrendo pelo ralo, aplicado com grave ineficiência.

P: Então falta um economista no ministério?

R: Eu não sou economista. Sou administrador. O atual ministro até que está fazendo um bom trabalho. O programa “Mais Médicos” foi mal embalado, mas a iniciativa em si é importante e foi corajosa.
(Diário do Pará)

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