quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O caminho para outras condenações aberto pelo STF


Antes de começar uma audiência, os juízes criminais costumam verificar a presença das partes ou, no caso de júri, fazer a chamada dos jurados. Esse talvez seja o único momento previsível das sessões judiciárias a partir da semana que vem. O julgamento do mensalão, cuja definição das penas foi encerrada nesta quarta-feira, cria na Justiça brasileira, principalmente na criminal, forte expectativa sobre o alcance das decisões tomadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram episódicas ou deverão concretamente mudar a forma de julgar nas instâncias inferiores?
As decisões do STF foram ricas em hipóteses de jurisprudência (decisões de tribunais sobre um mesmo assunto, formando um entendimento comum entre os magistrados). Para condenar os mensaleiros, asseguraram a validade da prova indiciária, ao acolher a teoria do domínio do fato para alcançar os mandantes, e ao julgar em blocos temáticos. Porém, as inovações só representarão uma nova era para todo o Judiciário se forem, efetivamente, levadas em conta pelos magistrados da base.
Decisões não são vinculantes
Nada obriga um juiz a seguir a posição do ministro Joaquim Barbosa e de seus colegas da Corte em assuntos que não são constitucionais, pois não há efeito vinculante. Mas o resultado da Ação Penal 470 é considerado pelos profissionais do Direito um sinal forte demais para ser ignorado.
Juízes e membros do Ministério Público acreditam que a Justiça terá agora mais segurança em condenações baseadas em atos de ofício e provas indiciárias, até então consideradas temerárias. Para condenar José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil de Lula, por exemplo, o STF levou em conta um conjunto de indícios que fundamentou a teoria do domínio do fato, segundo a qual o réu pode ser punido mesmo que não tenha executado diretamente o ato criminoso, mas tenha tido domínio sobre o fato.
Embora o Código de Processo Penal acolha esse tipo de prova, havia certa relutância em condenar sem provas concretas. Porém, o Supremo sanou a dúvida ao firmar posição de que era possível condenar pelo potencial abstrato. O decano da Corte, Celso de Mello, explicou que o STF evidenciou a importância dos indícios, da prova circunstancial, desde que tais indícios sejam harmônicos entre si e convergentes. O mesmo ministro fez questão de destacar que o STF não estava se reinventando no caso do mensalão para deixar claro que ali não estava se fazendo uma caça às bruxas.
Para o Ministério Público, a quem cabe a responsabilidade de buscar uma condenação, as mudanças empolgam por aumentar a margem de segurança dos juízes na punição dos réus.
Uma das conquistas foi a interpretação sobre lavagem de dinheiro. O Supremo entendeu que, para condenar, basta provar que a pessoa recebeu o dinheiro ilícito por intermédio de laranjas ou outros expedientes que camuflam a propina analisa o procurador regional da República Artur Gueiros.
A questão é polêmica. Especialista em Direito Penal Econômico, Gueiros explicou que muitos juízes entendem que o recebimento camuflado do dinheiro é apenas a extensão do crime anterior, como corrupção passiva ou peculato. Com a condenação dos mensaleiros, o STF entendeu que esse era outro crime, autônomo e grave, razão pela qual dificilmente foi um caso episódico.
Outra expectativa diz respeito ao ato de ofício, a prática possível e eventual que explica a solicitação da vantagem indevida ou seu oferecimento. Antes da Ação Penal 470, o Supremo entendia que a condenação por corrupção passiva dependia da indicação precisa do ato que o servidor teria se comprometido a praticar, em troca da vantagem indevida. No mensalão, parte do tribunal entendeu que só o recebimento da vantagem indevida (dinheiro) relacionada ao exercício de um cargo era suficiente para a condenação. E a maioria reconheceu que o ato de ofício deve ser apontado, mas não há necessidade que tenha se consumado. Ou seja, basta a indicação de um potencial ato a ser cometido pelo servidor público.
O julgamento não chega a ser uma revolução, mas a Justiça não é a mesma depois dele. O peso simbólico é relevante, até mesmo quando os ministros reafirmaram aquilo que já estava sedimentado. No caso da prova indiciária, por exemplo, é possível dizer que nunca havia levado à condenação de réus do colarinho branco diz o procurador regional da República Rogério Nascimento.
Polêmica entre otimistas e céticos
Promotores e até magistrados estão otimistas sobre o alcance das decisões, principalmente o valor dos indícios e a aplicabilidade da teoria do domínio do fato no Direito brasileiro. Mas não refletem uma unanimidade nos corredores da Justiça.
O ceticismo é voz corrente entre os advogados de defesa, que apostam na tese do julgamento de exceção e transformaram em cânone a defesa oral de Márcio Thomaz Bastos, que identificou no julgamento um retrocesso na área penal, pelo fato de a Corte estar flexibilizando perigosamente certas garantias.
Luis Nassif

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